domingo, 24 de maio de 2009

QUANDO O BOXEO ERA UM DESPORTO JUDEU

Quando os aficionados são perguntados por nomes de boxeadores judeus, invariavelmente mencionarão a Benny Leonard e Barney Ross [na foto], os famosos campeões. Nalguns casos acrescentarão a Ruby Goldstein e, mais raramente, a “Slapsie” Maxie Rosenbloom, um grande campeão dos pesos superligeiros. E aí remata tudo.

Inclusso os aficionados com certos conhecimentos ignoram que houvo muitos campeões e boxeadores excepcionais, e milheiros de púgeis judeus nos anos 20, 30 e inclusso 40. “Como foi possível?”, perguntam de imediato. “É algo tão alheio à tradição e cultura judea…Ressulta inacreditável.

De facto, os judeus entraram nos ránkings do boxeo norteamericano em grandes quantidades e arredor de 1928 eram a nacionalidade dominante na modalidade profissional, seguidos pelos italianos e os irlandeses. Dez anos depois, os judeus retrocederam ao terceiro posto, precedidos pelos italianos e os irlandeses.

Quando rematou a 2ª Guerra Mundial, e a G.I. Bill of Rights [Nota: Declaração de Direitos que proporcionava educação superior aos Veteranos de Guerra] e outras vias de progresso estiveram disponhíveis, o boxeo foi deixando de ser atractivo para os judeus –ao menos como púgeis. Face 1950, virtualmente deixara de haver boxeadores judeus, e o seu número desde então tem sido anecdótico. Um descenso semlehante se dou entre o grémio dos entrenadores; mas os managers, promotores e organizadores continuaram mantendo a presença.

A primeira vista, semelha raro que os judeus tenham participado alguma vez num desporto tão brutal. Tendemos a assumir que as actividades dos judeus erram tradicionalmente mais cerebrais e que a educação desempenhava um papel dominante na cultura judea. Quem ía boxear pudendo ir à universidade e converter-se num profissional?

Mas acudir à universidade e converter-se num reputado profissional não era necessariamente a primeira opção para muitos jóvenes judeus nos anos 20 e 30. Quando as circunstância e a oportunidade de tipo económico se dou tras a 2ª Guerra, o boxeo judeu, de facto, desintegrou-se rapidamente.

Durante os anos 1910-1940, houvo 26 campeões mundiais judeus. Esta foi uma cifra inaudita, particularmente numa época onde só existiam oito categorias boxísticas, envez da miríada existente hoje em dia (por não dizer nada das distintas Conferências).

Mas este éxito deve ser entendido no contexto da participação total de judeus no mundo do boxeo. Entre os anos 20 e os 30 aproximadamente o 16 % dos campeões eram judeus, mas perto da terceira parte dos contendentes eram também judeus. Embora houvo, sem dúvida, muitos campeões judeus, estes não destacavam em proporção ao número no que participavam estando, de facto, infra-representados a nível de títulos. No boxeo, pelo menos, os judeus aproximavam-se aos promédios –algo que era impensável noutros desportos, como o baseball.

No Encontro Janucá de 1907, da Sociedade da Menorá na Universidade de Harvard, o seu Presidente, Charles Eliot, afirmou que os judeus “são inferiores em estatura e desenvolvimento físico a qualquer outra raza”. O Dr. Eliot lamentava a perda, desde os tempos dos Macabeus, do espírito marcial entre os judeus e pensava que seria beneficioso para eles “unir-se ao exército”.

A descripção pejorativa que Eliot fez da destreza física dos judeus encendeu não pouca controvérsia. Um número considerável de judeus percebiam-se a sim próprios como Eliot os descrevia, estavam dacordo com ele, e animavam aos judeus a desenvolver uma maior fortaleza e habilidade física. Outros sentiram-se ofendidos pelo que consideravam que era ánti-semitismo disfarçado, e sustentavam que os judeus não se distinguiam fisicamente de ninguém.

Que foi o que motivou que tantos jóvenes judeus se passassem ao boxeo profissional? Foi, quiçá, uma espécie de resposta às críticas vozeadas por Eliot? Havia uma necessidade de demonstrar a virilidade dos judeus, que foram perseguidos durante tantos séculos, e que remataram por semelhar fisicamente desvalidos e incapazes de defender-se a sim próprios? Acreditavam os judeus que se converteram em boxeadores que representavam ao Povo Judeu ou, inclusso, ao poder judeu?

A maioria dos boxeadores judeus negavam que agissem motivados por nada mais que eles próprios e os seus admiradores, afirmando que os seu único estímulo para subir a um ring era ganhar dinheiro, e nada tinha a ver com a sua judeidade ou outros judeus. Mas a resposta é mais complexa e subtil. Nalguns destes púgeis discernimos um sentido que nos leva a concluir que a sua etnicidade jogou um papel bem definido, por riba do que eles pudessem chegar a admitir ou tivessem interiorizado.

A tese de que os boxeadores judeus representavam ao Povo Judeu como uma totalidade é um tema recorrente, com matizes, através da literatura boxística judea. Discutindo sobre a motivação dos boxeadores judeus, Jimmy Johnston, um famoso promotor (não judeu) dos anos 20 e 30 declarou:

“Colhede um rapaz judeu e, antes ou depois, a sua raza sairá a reluzir. Ele tratará não só de defender-se a sim próprio, senão à sua gente, na medida em que se vê como representante de todos os judeus. A conciência de que a judeidade é o que está em questão quando ele combate dá-lhe um incentivo para entrenar com mais ânsia e sentir mais orgulho do que faz”.

Relacionada com o tema dessa “missão” está a tese de que o boxeo ajudou aos que o praticavam a integrar-se na cultura dos EEUU. Isto pode aplicar-se a muitos dos seus seguidores judeus, mas provavelmente não desempenhava um papel especial no púgil. Eles já se veiam como norteamericanos, vivendo como o faziam entre judeus no Lower East Side de Manhattan ou na zona de Brownsville no Brooklyn.

Boxeavam porque lhes gostava e era um modo de fazer dinheiro, não porque quigessem negar o estereotipo do judeu débil ou para ser aceitados como norteamericanos.

Inclusso os boxeadores dos anos 20, como Oscar Goldman e Sammy Farber, não acreditavam que tivessem nada que demonstrar a ninguém mais que a sim próprios. Contudo, e conforme indicam as suas testemunhas, é certo que também havia uma manifestação de orgulho étnico e identidade no seu papel como boxeadores judeus.

Para eles e as suas famílias a disjuntiva não era boxeo ou universidade, senão boxeo ou procurar trabalho. Nos dias da Depressão de começos dos 30, a universidade era um luxo demassiado afastado, inclusso para os judeus de segunda geração, como os que se adicavam ao boxeo.

Certo é que em 1936, o 11 % da segunda geração de judea começou a ir decrecendo no mundo das 12 cordas. Em New York, onde os judeus eram o 25 % da população, sem embargo constituiam o 65 % dos advogados, o 64 % dos dentistas e o 55 % dos médicos.

Mas os boxeadores judeus, geralmente, não pertenciam às famílias às que lhes ressultava relativamente singelo acceder a essas professões.

Não se deveria derivar dessa ausência de “intenção nacional” que estes boxeadores não estavam orgulhosos de serem judeus. O estavam e o estám. A sua identidade étnica nunca foi posta em questão. A maioria de eles luziam a Estrela de David nas suas batas e calzões de combate, até que os símbolos religiosos foram proibidos nos anos 40. Habitualmente, veiam-se como parte da comunidade judea, e participavam nas grandes festividades e ritos judeus. Viviam na casa familiar até casar, e contribuiam ao mantimento da família (ao igual que os irlandeses e italianos). Como o 95 % dos judeus de New York na época, casavam com mulheres judeas e, geralmente, permaneciam casados.

Foi a posição dominante dos judeus durante a sua “Época Dourada” realmente tão surprendente? O boxeo era parte do esforço dos judeus urbanos por saír adiante. Proporcionava oportunidades, e que os judeus não tivessem desenvolvido um papel tão importante durante esses dias teria sido aínda mais surprendente.

Howard Sachar, no seu livro “Uma história dos judeus em América” (1992), sinala que em 1911, o 75 % das prostitutas em New York e outras grandes áreas urbanas eram judeas, o 50 % dos prostíbulos eram regentados por judeus. Em 1921, o 20 % da população reclussa do Estado de New York era judea, e praticamente o 100 % dos contrabandistas eram judeus.

E que dizer do Crime Organizado e a dominante influência da máfia judea em New York e outras cidades?

Segundo diz Sachar, os judeus dominavam a prostitução e o comércio de licor a grande escala no Leste europeu, e continuaram este tipo de actividades no Novo Mundo. Onde os judeus vislumbram uma oportunidade, tomam sempre ventagem. Namedida em que o boxeo era uma actividade nova para os judeus, não se diferenciava em nada do que os judeus urbanitas faziam para avanzar na sua posição eocnómica na vida.

Em 1955, Thomas Jenkins trazou uma história das nacionalidades dominantes no mundo do boxeo, e concluiu que a segunda geração de praticamente todos os grupos imigrados de Europa gravitaram arredor do mundo do boxeo. Desse modo explicou a sucessão étnica de ingleses, irlandeses, italianos, judeus, negros e outros. A ascendência dos boxeadores judeus foi um fenómeno demográfico natural e predizível dos imigrantes judeus, e não pode ser atribuído a causas extranhas.

Esta tese apoia-se na testemunha dos próprios boxeadores. Quando floresceram outras oportunidades tras a Guerra, os judeus imediatamente desvaneceram-se do cenário dos contendentes, embora continuaram participando como empresários no negócio.


ALLEN BODNER *


* Allen Bodner é autor do livro “Quando o boxeo era um desporto judeu”. O seu pai foi boxeador afeiçoado nos anos 20 e manager profissional durante os 30 e 40



A continuação, combate pelo campeonato dos pesos walter entre o púgil judeu Barney Ross e o filipino Ceferino García no ano 1937.


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